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A questão do espelho

 

Por ter a maioria do seu repertório como artista solo, Duda Paiva, como muitos, se utiliza do espelho como ferramenta essencial na sala de ensaio e no seu processo de trabalho. Segundo Paiva, ele propicia rapidez de resultados e fornece no momento de criação o retrato preciso do que está por se realizar. No entanto, na PeQuod, raramente o espelho foi usado em seus processos de criação. Quando muito, ele entra no final do processo, como forma de ajustar e criar filigranas de composição gestual dos personagens ao que foi criado anteriormente.

Desde o início do processo de O Braile, Duda inevitavelmente trouxe para a criação do quadro o dito espelho, sem saber da sua pouca utilização dentro da PeQuod. Naturalmente o trio de manipuladores teve seu rendimento e sua percepção do trabalho de manipulação conduzidos para um patamar muito aquém do normal. Penso que da mesma forma que o espelho oferece a imagem que o público verá – ainda que invertida -, ao mesmo tempo pode gerar uma “alienação” do objeto a ser manipulado, e, por consequência, uma desconcentração, no sentido de sair do centro, e uma dispersão, no sentido de latino dis, enfatizante, somado a spargere, espalhar. Um uso costumeiro do espelho pode ser de grande valia na apuração instantânea da construção da cena, claro! No entanto, sua aplicação também pode gerar uma desconexão brutal entre o objeto manipulado e sua imagem refletida. Esse surpreendente desacerto veio visitar os integrantes nos primeiros dias do processo, na sala de ensaio do Espaço SESC e serviu de alerta para a necessidade de um ajuste. Na quinta-feira, 05 de fevereiro, Duda colocou o elenco de costas para o espelho, anulando-o deste processo. Imediatamente vi o trio voltando a olhar para o boneco novamente e não mais para sua fugidia imagem refletida no espelho. Ver, perceber, enxergar, não ver, não olhar, tatear, achar, perder... Coisas próprias desta construção cênica e coreográfica que está ainda no início. Mas já turva a visão. - Miguel Vellinho, diretor da Cia PeQuod

 

Pensando em Cristina Moura

 

Não é possível deixar de relacionar este novo processo com os momentos que a PeQuod viveu junto a Cristina Moura, quando da construção do quadro Exatidão, criado para o espetáculo PEH QUO DEUX, de 2014. Que pontos de contato existem lá e aqui? Primeiramente a proporção do boneco, em escala humana, que como Cristina, impõe ao grupo uma nova percepção deste corpo, quase igual ao do elenco, quase igual em tamanho, digo. Por seu tamanho, ainda que seja manipulado diretamente, foi preciso descartar o balcão como espaço de representação e ganhar o piso do palco, onde também atua o elenco. A restrição aqui fica apenas pela placa de aço que serve de apoio para os imãs que estão na ponta dos pés do boneco. Também o trânsito intenso dos atores pelas diferentes partes do corpo do boneco, para dar conta conta de toda a movimentação necessária, também se repete aqui, salientando ainda que em O Braile o grupo está reduzido pela metade. Nem por isso a intensidade de trocas e novas configurações de manipulação diminuíram neste processo. A sensação é igual, muita próxima ao elenco de seis pessoas que se tinha no PEH QUO DEUX. No entanto, os caminhos esboçados me fazem lembrar das primeiras definições de Cristina, no início do seu processo.  Tanto em Cristina, quanto em Duda há um apreço pelo estranho, pelo não familiar e pelo bizarro até.  Portanto, neste  campo em que transitam Duda, Cristina e tantos outros, a subjetividade floresce com maior vigor, deixando muitas vezes o grupo refém de uma ideia ainda não totalmente formatada, fechada. Nesses primeiros dias, o estranhamento apareceu, porém, a experiência de PEH QUO DEUX foi deu ao grupo calma, abertura e tranquilidade para que o insólito venha com toda a sua força.

No processo de O Braile há, sim, um avanço ou um caminho mais verticalizado  em relação ao conflito desta figura e deste corpo surpreendentemente torcido e com uma cabeça que insiste libertar-se do restante do corpo. Complexo! Mais do que tudo, observo aqui que novas e importantes responsabilidades foram impostas ao trio formado para este trabalho (Liliane Xavier, Mariana Fausto e Miguel Araújo). Sobretudo para Mariana e Miguel, que com alguns anos de PeQuod ainda não tinham se deparado com questões de liderança absoluta – que os bonecos tanto necessitam – com vigor e precisão. Aos poucos, o trio vai se afinando, se encontrando e ajustando uma sintonia comum. E isso é muito bonito de se ver! É um renascimento, dentro do próprio grupo. Um novo estado de acordo. Gosto quando isso acontece. Porém, silenciosamente temo pelo tempo. Pelo pouco tempo que o grupo terá com Duda na sala de ensaio e pela afinação conjunta que mesmo florescendo, talvez não esteja 100% até a estreia.

Faltam 13 dias para apresentações. E há um Carnaval no meio. - Miguel Vellinho, diretor da Cia PeQuod

 

Sem Duda

 

Com a partida de Duda, a dinâmica na sala de ensaio ganha novos contornos. Sou extremamente grato por Raquel Botafogo estar neste processo com seu olhar treinado para observar os desacertos existentes ainda no trabalho e pela rapidez em propor soluções.

Entre nós mesmos, conseguimos estabelecer uma continuidade do trabalho com bastante foco. Raquel agora prepara o trio com um aquecimento corporal que pedi em que as questões de energia, vigor e concentração fossem salientadas.

Depois propus um trabalho vocal. Complicado, mas que retirou todos do seu chão. Isso é bom. Há que se trabalhar muito com o Miguel, que precisa avançar em potência e distorção para chegar num lugar mais estranho, tosco, brutal. Mais distante do Miguel que conhecemos. É preciso avançar muito. Todos. - Miguel Vellinho, diretor da Cia PeQuod  (19/02/2015)

 

Promenade

 

Citando Hubert Godard: “Numa de suas peças, Cunningham retoma o que é chamado no balé clássico de promenade: Uma bailarina em meia ponta, em apoio sobre uma perna, as duas mãos colocadas sobre o braço de seu partner, gira no eixo levada pelo passeio que seu partner efetua em torno dela. Essa figura, eternamente presente nos pas-de-deux clássicos, encontra habitualmente no balé uma carga ligada ao amor, confirmada pela natureza dos olhares trocados pelos partners.” Promenade, segundo o tradutor deste texto (Gesto e percepção) significa passeio. Os anos de balé clássico deram a Duda Paiva muitos instrumentos de composição que hoje ele transpõe para as suas inusitadas relações entre seu corpo bem treinado de bailarino e o corpo de suas criaturas sempre prontas para qualquer dança ou cartilha. Há em O Braile um promenade, só que executado por um quarteto – o trio de atores mais um boneco.  Aos poucos o passeio pela dança contemporânea, clássica e moderna que a PeQuod decidiu executar ganha mais densidade de propósitos e vocabulário. A ideia do amor que perpassa o promenade, através do olhar, já é há muito tempo uma presença constante em tudo o que a PeQuod faz. Não há dúvida.  No entanto, esta ideia de amor é sempre necessária na sala de ensaio. E que se saliente, se fale, mil vezes pelo grupo, se preciso for. Estamos aqui também para isso. E para passear na praça enquanto seu lobo não vem... - Miguel Vellinho , diretor da Cia PeQuod  (Março de 2015)

 

 

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